Fundado em 1825, o Diário de Pernambuco é um dos jornais mais antigos do Brasil e teve um papel central na comunicação e formação de opinião da sociedade pernambucana ao longo do século XIX. Durante o período escravocrata, o jornal refletia os interesses da elite econômica e reforçava as estruturas do sistema escravista por meio de anúncios e publicações que tratavam os escravizados como mercadoria. Além de ser um importante veículo de sua época, o periódico se consolidou como uma fonte histórica de grande relevância. Suas páginas permitem o estudo de aspectos econômicos, sociais e culturais do Brasil imperial, sobretudo no que diz respeito à escravidão.
Entre seus registros, destacam-se os anúncios de “Escravos Fugidos”, criados com o objetivo de facilitar a recaptura de pessoas escravizadas. Ao descreverem os negros com detalhamento, os anúncios reforçavam a lógica desumanizadora que os tratava como propriedade, ao mesmo tempo em que traziam informações valiosas sobre suas vidas e estratégias de resistência. Os anúncios de “Escravos Fugidos” eram uma ferramenta para mobilizar redes de vigilância que incluíam capitães do mato, comerciantes, capatazes e até outros escravizados, que podiam ser recompensados por colaborar com a captura dos fugitivos.
Entre os séculos XVII e XIX, Pernambuco foi um dos principais polos do tráfico e da exploração de africanos escravizados. Recife, com seu porto estratégico, serviu como ponto central de entrada e redistribuição dos cativos, que trabalhavam tanto nos engenhos de açúcar do interior quanto na própria cidade. Na zona urbana, os escravizados desempenhavam funções diversas, como serviços domésticos, ofícios especializados e comércio de rua. Apesar da constante vigilância, o ambiente urbano oferecia oportunidades para a formação de redes de apoio e ações de fuga.
Esses anúncios traziam descrições detalhadas dos escravizados, incluindo características físicas, marcas de castigo, habilidades e vínculos familiares, para facilitar sua identificação e captura. Além de circularem nas páginas do jornal, essas informações eram propagadas oralmente em espaços públicos, ampliando a repressão e o controle. Assim, o periódico desempenhava um forte papel na perpetuação do sistema escravista e na naturalização da escravidão como parte da estrutura econômica e social da época.
Ao mesmo tempo, esses registros oferecem hoje uma perspectiva sobre a resistência dos cativos. Muitas fugas eram realizadas em grupos familiares, desafiando a ideia de que os laços afetivos eram completamente destruídos pela escravidão. Pelo contrário, esses vínculos muitas vezes motivavam a busca pela liberdade. As estratégias variavam: alguns fugiam para quilombos ou áreas isoladas, enquanto outros se escondiam nas cidades, assumindo novas identidades com o apoio de de redes de sociabilidade.
Essas fugas representavam atos de coragem e insubmissão, mesmo diante de punições severas. A resistência dos escravizados evidencia a força e o desejo por liberdade, desafiando a opressão do sistema escravista. Hoje, os registros desses episódios são fundamentais para reconstruir suas trajetórias de luta e preservar a memória daqueles que buscaram a dignidade e a liberdade. A análise desses documentos revela a brutalidade do regime, destacando também a resiliência dos escravizados e contribuindo para a construção de uma história mais crítica e humana sobre o passado brasileiro.
Sugestões de leitura:
BARROS, Deylla da Silva. A formação de uma comunidade africana no Recife oitocentista: escravidão e etnias da diáspora nos anúncios de jornais, 1830 – 1839. Dissertação (Mestrado profissional em Culturas Africanas) – Universidade de Pernambuco, Programa de Pós-graduação Profissional em Culturas Africanas, da Diáspora e dos Povos Indígenas – PROCADI, Garanhuns, 2021.
BASTOS, Ana Karine P. Holanda. O léxico dos anúncios de escravo nos jornais do Recife no século XIX – 1853 a 1855. 2007.
CARVALHO, Marcus J. M. Liberdade Rotinas e Rupturas do Escravismo no Recife, 1822-1850. 2a ed. Editora Universitária UFPE. Recife, 2010.
FREYRE, Gilberto. Os escravos nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX. 2a ed. aumentada. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1979.
Escrito por Vitória Carolina Barboza de Araujo
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