Podemos falar do passado de Pernambuco através da literatura. Não só documentos tradicionais fornecem informações precisas sobre o passado, mas outras fontes podem dialogar com documentos considerados tradicionais, e quem se beneficia com isso é sem dúvidas o historiador, que alcança novas respostas, e o grande público, que pode observar que o trabalho do historiador é muito amplo. Notar que a literatura é uma produção de seu tempo é o primeiro passo para afirmar sobre a grande capacidade de uma obra de ficção para representar seu tempo.
Vale um adendo antes de comentar sobre a obra. Apesar deste potencial da literatura como fonte, não se pode tratar uma obra de ficção como um livro de história, que tudo o que ali está escrito é o que aconteceu de fato, e que 100% daquilo que está sendo representado aconteceu. Temos que enxergar a literatura de forma crítica, e frisar que estas obras não são neutras, foram escritas por alguém que desejava criticar o governo, a sociedade ou qualquer incômodo que o autor desejasse expressar. Este é o caso do autor pernambucano Carneiro Vilela.
Carneiro Vilela publica pela primeira vez, em 1886, o folhetim “A Emparedada da Rua Nova”. Ganha mais edições deste texto no início do século XX, quando sua obra ganha um alcance maior. Carneiro Vilela já era conhecido por ser um crítico da sociedade recifense, e não media esforços para expressar seu descontentamento com o que quer que fosse. Criticava o clero, os políticos, falsos moralistas, a sociedade, as autoridades e os vícios enraizados na natureza humana. Carneiro Vilela era um homem atento aos problemas da sociedade e não tinha medo de dizer o que se pensava sem receio.
Em “A Emparedada da Rua Nova”, Carneiro Vilela nos descreve o Recife do século XIX, com alguns personagens que são, na visão do autor, o contraste da sociedade recifense. Jaime é o personagem principal do romance, um português que vem se estabelecer no Recife trabalhando inicialmente como caixeiro viajante. Vindo de baixo, Jaime consegue uma fortuna, e se casa com Dona Josefina, sua prima brasileira e juntos formam uma família luso-brasileira, sendo o fruto desta relação Clotilde. João Paulo Favais também faz parte da família, sendo sobrinho de Jaime, apaixonado por sua prima Clotilde.
Podemos falar do passado de Pernambuco através da literatura. Não só documentos tradicionais fornecem informações precisas sobre o passado, mas outras fontes podem dialogar com documentos considerados tradicionais, e quem se beneficia com isso é sem dúvidas o historiador, que alcança novas respostas, e o grande público, que pode observar que o trabalho do historiador é muito amplo. Notar que a literatura é uma produção de seu tempo é o primeiro passo para afirmar sobre a grande capacidade de uma obra de ficção para representar seu tempo.
O romance inicia logo com comentários sobre um crime que ocorreu no Engenho de Suaçuna, Jaboatão dos Guararapes. Este acontecimento vira alvo de comentários diversos pela natureza do crime e do mistério que o cerca. A vítima era um estrangeiro que veio ao Recife e era conhecido na sociedade. O mistério de sua morte é discutido por todos os recifenses, a imprensa divulga diversos pormenores, e o crime fica sem solução. Então, o que este mistério teria a ver com o desenrolar da história?
É neste ponto que a família de Jaime Favais entra na discussão. Um acontecimento vai marcar a família do português, e a investigação ganha novos rumos. E no meio deste mistério do crime, Carneiro Vilela apresenta ao leitor as intrigas familiares de Jaime Favais, seu casamento que estava em crise, sua péssima relação com a filha, e seus interesses econômicos que também eram muito importantes para manter seu status na sociedade recifense. Carneiro Vilela apresenta ao leitor um pouco da sociedade recifense: escravos, vagabundos, burgueses, autoridades e a religiosidade.
Neste complexo cenário social, Carneiro Vilela faz suas críticas, apontando a hipocrisia da sociedade burguesa e moralista, onde todos buscavam manter na sociedade sua posição de exemplo a qualquer custo, utilizando de seus subordinados e destes vagabundos sem rumo, que faziam qualquer coisa por dinheiro. O status que as famílias queriam apresentar a sociedade era distinta daquilo que se convivia na vida privada, vivendo em ambiente de traições, intrigas e inveja, sendo apresentado por Carneiro Vilela como ponto fraco destas elites que queriam mostrar para a sociedade a harmonia de sua família. O falso moralismo que reinavam nestas famílias e na sociedade também eram alvos de críticas de Carneiro Vilela em seu romance, onde o autor descreve que a religião servia apenas de enfeite e para mostrar para a sociedade seu fervor religioso. E na realidade, é apenas o uso da religião de uma forma vazia, cercada de falsidade e moralismo raso. Também é narrado o poder das autoridades, que os principais beneficiados destes poderes eram as elites, que por terem um poder e conhecimentos na cidade que os tornavam invulneráveis as punições da justiça.
Carneiro Vilela conseguiu reunir em seu romance elementos da ficção policial e da crítica social de seu tempo, mostrando para a sociedade tudo o que estava errado, criticando e apontando os erros. Esta sua obra serve para nós como uma maneira de enxergar valores, costumes e problemas da sociedade do século XIX, na visão de Carneiro Vilela, e enxergar isto, é observar que o texto literário é também uma fonte histórica. Carneiro Vilela tinha sua visão de mundo, analisava a sociedade a seu mudo, e suas críticas sobre a sociedade recifense nos mostram os costumes e valores de uma época, que, na sensibilidade do autor, eram errados.
Recomendo a todos a leitura deste romance. Além de conhecer os autores pernambucanos, viajar no tempo e conhecer costumes e cultura de uma época anterior a nossa é um exercício para enxergarmos o que mudou em nossos tempos, e o que permanece de nosso passado. Também, claro, ter o prazer de ler um bom romance, muito bem escrito e bem desenvolvido. Creio que o fim do livro pode causar arrepios na espinha de muitos leitores!
Título da Obra: A Emparedada da Rua Nova
Autor: Carneiro Vilela
Gênero: Ficção, policial
Editora: CEPE
Data de Publicação: 2013
Data da Primeira Publicação: 1886
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