Pular para o conteúdo principal

Estratégias, Convivência e Acordos Comercias: Alianças entre Indígenas e Franceses no Pernambuco Colonial

Foi primeiramente na Baía de Guanabara, no Rio de janeiro, que se estabeleceu uma colônia francesa no Brasil em 1555, gerenciada pelo nobre francês Nicolas Durand de Villegagnon, que havia percorrido boa parte de toda a extensão litorânea brasileira, obtendo conhecimentos prévios sobre a dinâmica social que prevalecia entre portugueses e indígenas, analisando também o funcionamento das transações comerciais entre ambos. Desse modo, a maioria dos comerciantes franceses enxergavam no Brasil a possibilidade de extrair produtos e especiarias que seriam exportadas e comercializadas na França.

Antes mesmo de Villegagnon ocupar com a sua comitiva as imediações do Rio de  Janeiro, ele já havia estabelecido contato com lideranças indígenas na Baía de Guanabara, sendo constatada a presença de índios tupinambás e de outras denominações étnicas e linguísticas que serviram de suporte para os franceses que não estavam adaptados às condições ambientais do Brasil, fornecendo apoio e suprimentos de água e comida necessários para a sua  sobrevivência. Mesmo assim, as condições de vida que a colônia francesa oferecia eram insatisfatórias, consequentemente sendo abandonada por seus habitantes que optaram em viver junto os índios, a fim de garantir condições dignas de sobrevivência. 

A historiadora Maria Regina Celestino de Almeida (2003), aponta os desdobramentos ocorridos na metade dos quinhentos que resultaram na criação da França Antártica e mais adiante na expulsão dos invasores franceses pela força militar comandada pelos colonos portugueses. Essa conquista teve intensa participação de vários povos indígenas que habitavam os arredores da região, de tal modo que foram arregimentados pela política de aldeamentos, organização instituída pela coroa portuguesa que a princípio na maior parte do tempo esteve sob administração dos padres jesuítas, iniciativa que determinou o desfecho final do conflito, resultando na vitória portuguesa, seguida da evacuação dos franceses da Baía de Guanabara.   

Apesar das pretensões frustradas ocorrida devido ao fracasso da ocupação, respectivamente, entrelaçada ao sentimento de derrota, essa circunstância em quase nada alterou a ambição de controlar novas posses no além-mar, impulsionando desse jeito, o progressivo empreendimento colonial francês para as capitanias da região do atual Nordeste. Dessa forma, tentaram desembarcar nas capitanias de Pernambuco e Paraíba, encontrando de imediato, acentuada resistência dos portugueses que os contiveram através da colaboração bélica das tribos indígenas nos quais eram aliados, forçando os naturais da terra a prestar serviço militar para esta ocasião. Quadro que motivou os franceses a seguir viagem e lançar suas investidas expansionistas no Maranhão no ano de 1612.

Embora os franceses tenham permanecido por pouco tempo em Pernambuco, a sua estadia nestas terras foi o suficiente para estabelecer contato e conhecer de maneira superficial as populações indígenas que habitavam as áreas próximas ao litoral. Mesmo assim, essa condição permitiu o entrelaçamento entre os franceses e os indígenas, em especial os que possuíam divergências com os portugueses com o propósito de angariar forças suficientes para conseguir se consolidar no território de Pernambuco. Essas estratégias propiciaram a construção de uma relação pacífica entre os colonizadores franceses e os povos nativos no qual obtiveram apoio.    

Em razão disso, é possível constatar menções nas fontes e em algumas produções historiográficas que qualificam melhor o relacionamento e as alianças entre franceses e indígenas, quando comparadas com as dinâmicas sociais adotadas pelos portugueses. É por isso, que Perrone-Moisés, diz que, “[...] delineia-se um francês mais aberto do que os outros colonizadores, mais  inclinado à convivência diária com os índios ou pelo menos mais condescendente” (1996, p. 4). 

Dessa forma, compreende-se que os franceses utilizavam métodos e técnicas que são estritamente peculiares, não sendo constantemente praticadas pelos lusitanos. Essas habilidades são enxergadas como excêntricas, mas foi por meio dessa atitude, que se conquistou a fidelidade e a preferência dos indígenas pelos franceses, fazendo com que atingissem um relativo sucesso na administração do seu empreendimento colonial. Diante disso, os franceses ficaram conhecidos por estarem cientes das singularidades e por dominarem aspectos culturais e linguísticos dos indígenas, já que estavam diretamente envolvidos com o cotidiano e com as estratégias de guerra e defesa dos seus parceiros comerciais.

Nos escritos redigidos pelos portugueses, chama a atenção para a facilidade dos franceses em permanecer nas aldeias de seus aliados, sendo alvo de críticas, por adotarem costumes que não pertenciam aos hábitos dos europeus, práticas que eram apontadas como parte de uma cultura selvagem. Nas aldeias os franceses “[...] constituíam família, andavam nus, pintavam-se para a guerra como seus anfitriões, faziam guerra com eles e a seu modo” (Perrone-Moisés, 1996, p. 2).

Outro aspecto, está conectado aos vínculos que extrapolavam as negociações de produtos tintureiros entre os dois povos, transcendendo para nexos que vão além das relações comerciais, havendo em alguns casos, a realização de casamentos entre franceses e mulheres indígenas. Isso, favoreceu a intimidade e o companheirismo entre ambas as nações, uma vez que, após o término da cerimônia matrimonial, o casal ainda permanecia vivendo com os demais habitantes da tribo, solidificando cada vez mais o elo de confiança entre os nativos da terra com o novo membro que foi integrado à comunidade.

Com isso, se propaga a ideia entre os cronistas da época, de que os indígenas possuíam um certo favoritismo em firmar comércio com os franceses, dado que as desvantagens nas negociações eram ínfimas no momento em as equiparamos aos danos nas negociações que eram realizadas com os portugueses. Por fim, não podemos deixar de esquecer que a aparente estima dos franceses pelos indígenas estava voltada apenas para o interesse comercial.

Sugestões de leitura:

ABREU, Capistrano. Franceses e espanhóis. In: ABREU, Capistrano. Capítulos de História Colonial. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, 1998. p. 65-82.

ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. O projeto de colonização e os aldeamentos: funções e significados diversos. In: ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas  aldeias coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003. p. 79-126.

PERRONE-MOISÉS, Beatriz. O mito do bom francês: imagens positivas das relações entre  colonizadores franceses e povos ameríndios do Brasil e do Canadá. Instituto de Estudos Avançados da USP, São Paulo, v. 3, p. 1 - 9, 1996.


Escrito por: José Austro, Letícia Elias e Karla Viana.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Maracatu Rural: Uma expressão pernambucana

  O Maracatu Rural, também conhecido como Maracatu de Baque Solto, é uma expressão cultural profundamente enraizada na Zona da Mata pernambucana, constituindo-se como uma das mais ricas e emblemáticas manifestações populares do estado de Pernambuco. Diferente do Maracatu Nação (ou de Baque Virado), o Maracatu Rural apresenta características únicas que refletem sua história e conexão com o universo rural. Ele surge como uma expressão híbrida, resultado de uma complexa interação entre elementos africanos, indígenas e europeus, evidenciando a interculturalidade da cultura brasileira. Uma das figuras mais marcantes dessa manifestação é o caboclo de lança, símbolo central do Maracatu Rural. Com seus trajes exuberantes, golas bordadas, chapéus adornados com fitas coloridas e uma lança decorada, o caboclo de lança representa a força, a resistência e a identidade cultural das comunidades que preservam essa tradição. O papel desse personagem transcende o aspecto performático, pois ele carre...

O Real Colégio Jesuíta em Pernambuco: A fundação do terceiro colégio da Companhia de Jesus no Brasil no século (XVI -XVII)

        Os colégios jesuítas foram instituições idealizadas pela Ordem missionária inaciana criada no século XVI. Onde houve a presença marcante desses missionários, houve a implementação de Colégios. A Europa foi o berço dessas casas de Ensino, pode-se com facilidade encontrar instituições de ensino na França, em Portugal, na Espanha e em quase toda a Europa Central. O seu principal objetivo é o de formar novos missionários para agregar na missão maior da Companhia: difundir o cristianismo através da palavra. No entanto, em algumas localidades ela assumiu propósitos mais amplos, a exemplo disso, temos a América Portuguesa. No Brasil muitas casas de Ensino serviram para a formação dos filhos da elite, ou seja, formaram uma nova elite letrada.  O Colégio jesuíta de Pernambuco teve a sua origem na Igreja de Nossa Senhora das Graça. Na verdade o donatário da época, Duarte Coelho faz a doação desta pequena Ermida aos primeiros companheiros de Inácio que outro...