Pular para o conteúdo principal

Brasil Holandês?: A Figura de Maurício de Nassau na Construção das Memórias Históricas

    As concepções do professor e historiador Denis Bernardes são muito contundentes ao abordar a construção das memórias históricas no Brasil, especialmente no contexto da colonização holandesa em Pernambuco. O autor enfatiza que o passado tem sido moldado por interesses políticos e mercadológicos, refletindo uma superficialidade nas investigações históricas que não atendem às complexidades do período. Além disso, é discutido as múltiplas memórias da dominação holandesa, destacando como a idealização do governo de Maurício de Nassau — frequentemente lembrado como uma "cidade de ouro" — projeta questões contemporâneas no passado. É notório a crítica sobre a romantização desse período, argumentando que a colonização foi marcada pela exploração econômica e pela destruição ambiental, desafiando a visão utópica que muitas vezes permeia as narrativas históricas.

    Em síntese, esse texto reflete sobre a figura de João Maurício de Nassau e seu impacto no Recife durante o período da ocupação holandesa, há 380 anos. Nassau, embora alemão e protestante, foi enviado para governar o Brasil Holandês, e sua administração é frequentemente lembrada de maneira positiva por muitos pernambucanos, visto que o legado de Nassau é propagado por meio dos seus feitos, como a promoção da liberdade de culto, a documentação da paisagem local e a criação de instituições culturais, como um jardim botânico, um zoológico e um observatório astronômico. Ele também é creditado por importantes obras de infraestrutura, como a construção da primeira ponte da América Latina e a remodelação urbana do Recife.

    No entanto, apesar das contribuições significativas de Nassau, observa-se que não existem grandes construções remanescentes da presença holandesa no Brasil que sejam reconhecidas pela população. A maioria das fortificações que foram reconstruídas pelos portugueses não são associadas à presença dos neerlandeses. A lembrança de Nassau, porém, permanece viva na memória coletiva dos pernambucanos, que o consideram uma figura admirada, talvez por sua administração eficaz e transformadora. O texto sugere que essa admiração pode ser explicada não apenas pelas realizações de Nassau, mas também pelo mito que se formou em torno de sua figura, evidenciando a complexidade das memórias históricas e a maneira como elas são moldadas ao longo do tempo.

    Assim, a obra propõe uma reflexão incisiva sobre o futuro histórico e a construção de uma nova historiografia, enfatizando a importância de uma análise crítica e fundamentada do passado para entender as dinâmicas sociais contemporâneas. O governo de Nassau, embora tenha promovido algumas melhorias, priorizou sempre o enriquecimento da metrópole em detrimento das realidades sociais locais, um padrão comum em administrações coloniais. Portanto, apesar das contribuições positivas que fez para o Estado, a memória histórica que associa sua figura à de um herói deve ser reavaliada sob uma perspectiva crítica e histórica.


SOBRE O AUTOR:

    Denis Antônio de Mendonça Bernardes foi um renomado historiador brasileiro, com uma trajetória acadêmica marcada pela profundidade de suas pesquisas e contribuições para a historiografia nacional. Graduado em História pela Universidade Federal de Pernambuco (1969) e doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (2001), Bernardes consolidou-se como um especialista em História do Brasil, com ênfase em temas como contratualismo, constitucionalismo e pacto social.

    Ao longo de sua carreira, foi Professor Associado da Universidade Federal de Pernambuco, desde 1975, e integrou importantes corpos editoriais, como o da Estudos Universitários (UFPE) e da Revista Eletrônica História da Historiografia. Sua atuação no CIPE/FBN da Fundação Biblioteca Nacional reforçou seu comprometimento com a preservação e o estudo das fontes históricas no Brasil.

    Denis Bernardes também foi autor de diversas publicações relevantes, incluindo os livros “Recife: O caranguejo e o viaduto” e “Um império entre repúblicas”, além de ter organizado a coletânea “Da Inquisição ao Império”, reunindo trabalhos do professor José Antônio Gonsalves de Mello. Com seu falecimento em 2012, aos 64 anos, a historiografia brasileira perdeu uma figura de destaque, cuja obra continua a influenciar e enriquecer o campo dos estudos históricos no Brasil.


Resenha de BERNARDES, Denis A. de Mendonça. Nassau, Nassaus: notas brutas sobre os usos da história. In: Gilda Maria Whitaker Verri; Jomard Muniz de Brito (Org.). Relendo o Recife de Nassau. Recife: Edições Bagaço, 2003, p. 13-41.    

Escrito por: Higo L. G. Braga

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Maracatu Rural: Uma expressão pernambucana

  O Maracatu Rural, também conhecido como Maracatu de Baque Solto, é uma expressão cultural profundamente enraizada na Zona da Mata pernambucana, constituindo-se como uma das mais ricas e emblemáticas manifestações populares do estado de Pernambuco. Diferente do Maracatu Nação (ou de Baque Virado), o Maracatu Rural apresenta características únicas que refletem sua história e conexão com o universo rural. Ele surge como uma expressão híbrida, resultado de uma complexa interação entre elementos africanos, indígenas e europeus, evidenciando a interculturalidade da cultura brasileira. Uma das figuras mais marcantes dessa manifestação é o caboclo de lança, símbolo central do Maracatu Rural. Com seus trajes exuberantes, golas bordadas, chapéus adornados com fitas coloridas e uma lança decorada, o caboclo de lança representa a força, a resistência e a identidade cultural das comunidades que preservam essa tradição. O papel desse personagem transcende o aspecto performático, pois ele carre...

O Real Colégio Jesuíta em Pernambuco: A fundação do terceiro colégio da Companhia de Jesus no Brasil no século (XVI -XVII)

        Os colégios jesuítas foram instituições idealizadas pela Ordem missionária inaciana criada no século XVI. Onde houve a presença marcante desses missionários, houve a implementação de Colégios. A Europa foi o berço dessas casas de Ensino, pode-se com facilidade encontrar instituições de ensino na França, em Portugal, na Espanha e em quase toda a Europa Central. O seu principal objetivo é o de formar novos missionários para agregar na missão maior da Companhia: difundir o cristianismo através da palavra. No entanto, em algumas localidades ela assumiu propósitos mais amplos, a exemplo disso, temos a América Portuguesa. No Brasil muitas casas de Ensino serviram para a formação dos filhos da elite, ou seja, formaram uma nova elite letrada.  O Colégio jesuíta de Pernambuco teve a sua origem na Igreja de Nossa Senhora das Graça. Na verdade o donatário da época, Duarte Coelho faz a doação desta pequena Ermida aos primeiros companheiros de Inácio que outro...