Pular para o conteúdo principal

Abolicionistas Pernambucanas: A diversidade que compôs o movimento contra a escravatura no século XIX.

 O fim da escravatura no território brasileiro, a partir da segunda metade do século XIX, foi marcado por furiosas discussões políticas, que tiveram motivações econômicas, sociais, religiosas, mas também ideológicas. Dentro dessa conjuntura, a atuação abolicionista no Nordeste ganha destaque, ultrapassando o jogo de interesses econômicos, como bem salienta Hoffnagel (2005), mostrou uma postura um tanto mais radical, com várias ações muito importantes, entre elas, o exemplo do Ceará, que se tornou a primeira província a abolir a escravatura em todo o território brasileiro. Almeja-se aqui destacar as dinâmicas que permitiram tornar os anseios abolicionistas em realidade, uma vez que esses não se restringiram apenas aos locais legislativos, marcados pelos debates entre as elites políticas e econômicas com o próprio poder imperial, mas conseguiram também adentrar nos mais variados espaços da vida cotidiana, conquistando apoio de diferentes grupos sociais, que ainda com certas motivações particulares, contribuíram para que o movimento acontecesse. 

Sobre essa diversidade militante, toma-se aqui a província de Pernambuco como território que foi repleto de associações e figuras abolicionistas muito atuantes. Embora seja comum pensar em nomes como o de Joaquim Nabuco, um grande jurista pertencente à elite da época, a historiografia já aponta o quão mais ampla foi a participação em favor da liberdade de escravizados em terras pernambucanas. Para defender essa tese, apresenta-se aqui a existência de associações abolicionistas que foram administradas por figuras femininas, sendo a de maior destaque em Pernambuco a Ave Libertas, criada em 1884 na cidade do Recife, por Dona Leonor Porto, uma costureira modista. Segundo Jacilene Leandro (2023), essa associação, assim como o Clube do Cupim e outras do mesmo período, foram de suma importância para mobilizar a luta pela abolição nos espaços públicos, chamando a atenção tanto da elite, como também de grande parte da população trabalhadora. 

A Ave Libertas ficou conhecida em periódicos famosos da época, como o Diário de Pernambuco e o Jornal do Recife, por organizar eventos em teatros para o público mais abastado, nos circos, visando chamar a atenção das pessoas mais distantes dos grandes debates políticos, como também na participação em passeatas, discursando nos palanques para todos os ouvintes. Essa atuação pode ser vista como uma estratégia marcante dentro das mobilizações abolicionistas pernambucanas, que almejavam estar nos mais variados espaços, porque o “trabalho escravo também estava entranhado em toda parte, nas ruas, nas praças, teatros e, também, nas discussões de homens e mulheres das mais variadas classes” (Leandro, p.208, 2023). Desta forma, é possível entender a luta pelo fim da escravidão em Pernambuco também como movimento de massas, que, tendo o apoio de agentes dos mais variados públicos, mulheres, negros, trabalhadores e instituições religiosas, conseguiu angariar forças para as reivindicações propostas. 

A presença de diferentes personagens levantando a bandeira pela liberdade negra, não apenas com um grupo tradicional, os homens importantes da política, tais como o próprio Nabuco, mas tendo também a participação de indivíduos que eram considerados inferiores na mentalidade da época, e aqui, para além de negros, refere-se em especial ao público feminino, deve receber uma atenção especial. Esse último que por séculos estava acostumado a restringir sua vida ao lar, à família ou à religião, foi agitado pela presença de mulheres, vindas da elite, que para além do sentimento solidário para com os escravizados, tinham também o objetivo de ultrapassar os limites impostos pela sociedade tradicionalista, colocando as suas vozes na política e nos espaços públicos. 

A luta de mulheres, como Dona Leonor e tantas outras dentro do Ave Libertas, em terras pernambucanas, carregou consigo o desejo de mostrar o ser feminino como um agente ativo para além da vida privada, que era capaz de participar das dinâmicas sociais. As ações destas, não tiveram efeitos apenas dentro dos teatros, circos, passeatas ou reuniões em prol do fim da escravatura que chegaram a promover, mas ampliou-se a outras temáticas, e ainda que com muitas dificuldades, auxiliaram para permitir que as demandas sociais da vida feminina fossem, aos poucos, chegando ao patamar político, conquistando espaço em meio à presença masculina.


Sugestão de leitura 

DE LIMA LEANDRO, Jacilene. Mulheres abolicionistas ocupando o espaço urbano e social da cidade do Recife. Faces da História, [S. l.], v. 10, n. 2, p. 192–218, 2023. Disponível em: https://seer.assis.unesp.br/index.php/facesdahistoria/article/view/2509. Acesso em: 2 dez. 2024

HOFFNAGEL, Marc Jay. “O Partido Liberal de Pernambuco e a Questão Abolicionista, 1880-88”. In. Clio - Revista de Pesquisa Histórica – CLIO, vol. 23, n.01, 2005, pp. 07-24.


Escrito por Dandara Killaury

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Maracatu Rural: Uma expressão pernambucana

  O Maracatu Rural, também conhecido como Maracatu de Baque Solto, é uma expressão cultural profundamente enraizada na Zona da Mata pernambucana, constituindo-se como uma das mais ricas e emblemáticas manifestações populares do estado de Pernambuco. Diferente do Maracatu Nação (ou de Baque Virado), o Maracatu Rural apresenta características únicas que refletem sua história e conexão com o universo rural. Ele surge como uma expressão híbrida, resultado de uma complexa interação entre elementos africanos, indígenas e europeus, evidenciando a interculturalidade da cultura brasileira. Uma das figuras mais marcantes dessa manifestação é o caboclo de lança, símbolo central do Maracatu Rural. Com seus trajes exuberantes, golas bordadas, chapéus adornados com fitas coloridas e uma lança decorada, o caboclo de lança representa a força, a resistência e a identidade cultural das comunidades que preservam essa tradição. O papel desse personagem transcende o aspecto performático, pois ele carre...

O Real Colégio Jesuíta em Pernambuco: A fundação do terceiro colégio da Companhia de Jesus no Brasil no século (XVI -XVII)

        Os colégios jesuítas foram instituições idealizadas pela Ordem missionária inaciana criada no século XVI. Onde houve a presença marcante desses missionários, houve a implementação de Colégios. A Europa foi o berço dessas casas de Ensino, pode-se com facilidade encontrar instituições de ensino na França, em Portugal, na Espanha e em quase toda a Europa Central. O seu principal objetivo é o de formar novos missionários para agregar na missão maior da Companhia: difundir o cristianismo através da palavra. No entanto, em algumas localidades ela assumiu propósitos mais amplos, a exemplo disso, temos a América Portuguesa. No Brasil muitas casas de Ensino serviram para a formação dos filhos da elite, ou seja, formaram uma nova elite letrada.  O Colégio jesuíta de Pernambuco teve a sua origem na Igreja de Nossa Senhora das Graça. Na verdade o donatário da época, Duarte Coelho faz a doação desta pequena Ermida aos primeiros companheiros de Inácio que outro...